sexta-feira, 24 de julho de 2009

To anyone who's ever had a heart


Alguém aí sabe o que têm em comum Lou Reed, Elvis Presley e uma pequena igreja católica no Canadá, mais precisamente em Toronto? Não? Mais 10 segundos ... Ok, São Google provavelmente responderia isso em menos tempo, mas certamente sem a mesma graça do texto que você está prestes a ler (oh, calcutá, quanta pretensão)!

A resposta é "The Trinity Session", um álbum gravado em 1987 pelo grupo canadense Cowboy Junkies, ao vivo, dentro da igreja Holy Trinity em Toronto, com um microfone e um gravador DAT. O repertório é um misto de composições próprias da banda, formada por três irmãos da família Timmins e um amigo baixista, e alguns covers inusitados e recriados de artistas como Lou Reed, Hank Williams e Elvis Presley.

Parece simples. De fato deve ter sido simples pensar nesse disco antes, mas os resultados foram certamente muito além do que esperavam seus idealizadores. O que temos aqui, registrado e gravado, é um disco absolutamente incrível e emocionante. Não há uma canção supérflua ou destoante. O disco todo é uma peça única de música contemporânea, com seus tristes tons de country e blues da mais legítima tradição norte-americana.

Não é, no entanto, um disco fácil de ouvir. E talvez quem o ouça pela primeira vez nem se aperceba de sua real grandeza. Há muita sutileza neste trabalho. A voz de Margo Timmins é doce, afinada, de curto alcance mas sempre precisa. As guitarras acústicas e slide permeiam todo o disco. O baixo maravilhoso ressalta, pontua e destaca melodias simples e belas. A bateria é tocada, como as guitarras, de maneira suave e com timbres jazzísticos. Aqui e ali, sons de acordeons e gaitas, transformam a experiência da audição desse disco em um rito quase religioso.

A canção inicial, "Mining for Gold", cantada a capella por Margo fixa e estabelece os altíssimos padrões de som e pureza que virão a seguir. Dizem que esta foi a única canção gravada em "outra" sessão no mesmo local mas em outra data, sendo todas as demais gravadas pela banda em uma única, memorável e mágica noite de novembro de 1987.

"Misguided Angel" tem versos do tipo que Emmylou Harris ou Patsy Cline cantariam com muito gosto e sentimento. "Blue Moon Revisited (Song For Elvis)" é uma recriação do velho clássico "Blue Moon", num ritmo muito mais lento e hipnótico, com belíssimo arranjo e um solo de guitarra de arrepiar. Outras canções maravilhosas seguem.

O maior "hit" desse disco foi a versão para o clássico do Velvet Underground, "Sweet Jane". Uma versão muito, muito lenta, mas que ainda assim conserva o espírito "viajante" da canção de Lou Reed. Uma pequena maravilha recriada em pouco mais de 3 minutos.

A lembrar ainda a qualidade de som do disco. Uma proeza, considerando a simplicidade e as características da gravação. A atmosfera mágica da pequena igreja certamente ajudou a transformar esta sessão de música num presente de durabilidade infinita. Um presente para todos aqueles que simplesmente tenham coração.




sábado, 18 de julho de 2009

Time is an ocean of endless tears



Pegue uma notícia antiga de jornal, como a prisão de um jovem porto riquenho após uma briga de rua em NYC que terminou com a morte de outro jovem, branco no caso. Contextualize. Situe data, local e ambiente. Crie personagens, enredo, falas. Imagine uma trilha sonora. Não, melhor: componha uma. Você é capaz? Talvez muitos sejam, mas da forma que Paul Simon fez em 1997 em seu disco, trilha sonora para a peça "Songs From The Capeman", eu duvide-o-dó.

Que Paul Simon é um excelente contador de histórias e um músico extraordinário talvez você já saiba. Caso contrário, procure ouvir este disco. Há uma enorme musicalidade aqui, a serviço de um roteiro interessante, mas que acaba ficando em plano secundário. Os temas musicais se sucedem, variando ritmos, arranjos, cantores de uma forma absolutamente coesa e irresistível. Algumas vozes diferentes ajudam a compor a informação. Paul não se omite e coloca também suas opiniões, muitas vezes, na boca de seus personagens.

Há os policiais de fronteira, os jornalistas, os chefes de gangue, as mães da vítima e do assassino, os guardas de prisão. Versos como "A spanish boy could be killed every night of the week, but just let some white boy die and the world goes crazy for blood-Latin blood" permeiam todo o texto.

A peça não fez sucesso, nem o disco. O que, no caso, pouco importa. O registro das músicas, a combinação de ritmos latinos, doo-woop e de classic rock é feita de maneira tão virtuosa que crítica alguma pode desmerecer o trabalho de Paul Simon, um dos melhores em sua longa e talentosa carreira.

Não deixe de ouvir.